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Decisão sobre a LUOS coloca João Pessoa em xeque: proteção da orla ou paralisia do desenvolvimento?

Tribunal de Justiça da Paraíba declara inconstitucional a Lei de Uso e Ocupação do Solo. Decisão com efeito retroativo ameaça obras em andamento, gera vácuo jurídico e coloca em risco milhares de empregos no setor da construção civil.

Por Obra Track 11 Dez, 2025 Tempo de leitura: 12 min
Vista aérea da orla de João Pessoa - Serea Beach Living

Em 10 de dezembro de 2025, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) declarou inconstitucional a Lei Complementar nº 166/2024 — a LUOS (Lei de Uso e Ocupação do Solo) de João Pessoa. A decisão, com efeitos retroativos, não se limitou a ajustar regras urbanísticas: ela anulou, de uma só vez, todo o arcabouço legal que organizava o crescimento da cidade.

A chamada "Lei do Gabarito" tornou-se símbolo de uma disputa que transcende o urbanismo técnico. De um lado, o discurso ambiental, propagado pelo Ministério Público e amplificado pela mídia, pintava qualquer flexibilização como afronta à paisagem litorânea. De outro, o setor produtivo da construção civil — que emprega dezenas de milhares de trabalhadores, movimenta fornecedores e presta serviços essenciais ao desenvolvimento da capital paraibana — via na LUOS não um "vale-tudo na orla", mas um instrumento técnico de ordenamento urbano.

Agora, com a decisão do TJPB produzindo efeitos retroativos (chamados, juridicamente, de ex tunc), obras licenciadas sob a lei anulada ficam em situação de absoluta incerteza. Licenças emitidas podem ser questionadas. Financiamentos em andamento entram em risco. E uma cadeia inteira — de construtores a pedreiros, de fornecedores de material a corretores — fica à mercê de um vácuo legislativo criado por uma decisão que, ao buscar "proteger" a orla, pode ter paralisado o desenvolvimento de João Pessoa.

A saga da Lei do Gabarito e da LUOS em João Pessoa

Para entender o que está em jogo, é preciso voltar no tempo. A Constituição do Estado da Paraíba, em seu Artigo 229, define a zona costeira como patrimônio ambiental, paisagístico e ecológico. O dispositivo estabelece uma faixa de 500 metros de largura, contados a partir da linha da maré de sizígia (a maré mais alta, ocorrida durante lua cheia e lua nova), para dentro do continente.

Dentro dessa faixa, a Constituição Estadual determina que os Planos Diretores municipais disciplinem as construções, obedecendo a um escalonamento de gabaritos: alturas que vão de aproximadamente 12 metros nas primeiras quadras, podendo chegar a até 35 metros na margem final dos 500 metros. Ou seja, a própria Constituição prevê um escalonamento técnico — exige planejamento, não paralisia.

A Lei Complementar nº 166/2024 (LUOS) não surgiu para "liberar espigões" ou destruir a paisagem. Pelo contrário: ela veio para organizar e detalhar o que a legislação anterior deixava vago. Ao adotar como marco de referência a testada da primeira quadra litorânea (e não a linha da maré), a LUOS aplicava, na prática, um critério mais restritivo do que o mínimo exigido pela Constituição Estadual.

Entenda a questão técnica

A LUOS de João Pessoa media os 500 metros a partir da testada da primeira quadra, não da maré de sizígia. Isso significa que, na prática, a área de proteção era maior do que a constitucionalmente exigida — um ponto que a narrativa simplificadora da mídia não explicou.

No setor, há uma percepção generalizada de que o debate público foi contaminado por viés político e por uma exploração midiática do tema. Empresários da construção civil relatam a sensação de que quem investe, gera emprego e busca cumprir as regras acabou sendo transformado em vilão perante a opinião pública — mesmo quando atua rigorosamente dentro da legislação vigente.

O que decidiu o TJPB em 10 de dezembro de 2025

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), questionava a LC 166/2024 em dois fronts: vícios formais e vícios materiais.

Os vícios formais apontados referiam-se a supostas irregularidades no processo legislativo, como falta de participação popular adequada. Já os vícios materiais focavam na suposta afronta a dispositivos constitucionais de proteção ambiental e ao chamado "princípio da vedação do retrocesso ambiental" — argumento usado para sustentar que a LUOS "afrouxara" regras da orla.

O relator do processo, desembargador Carlos Martins Beltrão, acolheu integralmente os pedidos do Ministério Público. A maioria dos desembargadores acompanhou o voto, determinando que a decisão produzisse efeitos retroativos (ex tunc) — ou seja, anulando os impactos da lei desde sua promulgação, em 29 de abril de 2024.

O que significa efeito "ex tunc"?

Uma decisão com efeito ex tunc considera que a lei nunca existiu. Licenças, alvarás e habite-se emitidos sob sua vigência podem ser questionados. Obras que seguiam a legislação vigente passam a estar em situação irregular retroativamente.

Houve vozes divergentes no tribunal. Os desembargadores Joás de Brito Pereira Filho e Aluizio Bezerra reconheceram a inconstitucionalidade apenas do artigo 62 da lei (que tratava especificamente da altura dos prédios na orla) e defenderam a modulação dos efeitos para preservar alvarás e licenças já emitidos. Prevaleceu, porém, o entendimento do relator: anulação integral e retroativa.

Entre o discurso ambiental e a realidade econômica

A narrativa que prevaleceu na ação e na cobertura midiática foi a de uma luta heroica pela "defesa da orla" contra construtores gananciosos. Mas essa simplificação ignora fatos técnicos relevantes.

A LUOS não era um "vale-tudo". Era uma lei que estruturava critérios objetivos para o uso do solo urbano. Definia parâmetros para diferentes zonas, escalonava gabaritos, estabelecia regras para ocupação — tudo com base em estudos técnicos e urbanísticos. A cidade precisava dessa regulamentação para crescer de forma ordenada.

Representantes do Sinduscon-JP têm apontado que a construção civil não é inimiga do meio ambiente — pelo contrário, atua dentro das leis aprovadas pelo município. A preocupação central é que, quando essas leis são anuladas retroativamente, quem paga a conta são os trabalhadores e investidores que confiaram na ordem jurídica vigente.

No entendimento de boa parte do setor produtivo, a decisão do TJPB acabou sendo influenciada por uma narrativa midiática que simplificou o debate. A percepção é de que, em vez de uma análise exclusivamente técnica, prevaleceu uma resposta ao clamor público construído ao longo dos últimos meses.

O sentimento do setor

Entre os empresários da construção civil, há um entendimento de que o resultado do julgamento já era esperado, dada a temperatura do debate público. A expectativa agora é de que, em instâncias superiores fora da Paraíba (STF e STJ), seja possível obter uma análise mais técnica e menos influenciada pelas pressões locais.

Insegurança jurídica: o pior inimigo de quem constrói

O setor da construção civil opera com base na confiança nas regras do jogo. Um empreendimento imobiliário não surge da noite para o dia: são meses de planejamento, aprovação de projetos, obtenção de licenças, contratação de mão de obra, compra de materiais, estruturação de financiamentos.

Quando uma lei urbanística é anulada em bloco, com efeitos retroativos, todo esse edifício de confiança desmorona. Licenças que pareciam sólidas viram papel sem valor. Financiamentos bancários — nos quais a Caixa Econômica Federal é protagonista — ficam em xeque: os bancos liberaram recursos com base em alvarás que agora podem ser considerados nulos.

Impacto nos financiamentos

Uma preocupação imediata do setor é a situação das obras financiadas. Construtoras com operações em andamento na Caixa Econômica Federal e outros bancos terão que negociar a continuidade dos desembolsos, já que os alvarás que lastreavam os contratos agora estão sob questionamento. O prejuízo, potencialmente, se estende às próprias instituições financeiras.

As consequências práticas são imediatas. Com a anulação da LUOS, não há mais base legal para os alvarás emitidos sob sua vigência. Obras em andamento precisam de uma definição urgente. Projetos novos ficam paralisados. E novos investimentos? O clima é de hesitação.

A mensagem que a decisão envia ao mercado é clara e preocupante: investir em João Pessoa passou a ser arriscado. Se uma lei aprovada pela Câmara Municipal, sancionada pelo Executivo e vigente por meses pode ser simplesmente apagada da existência jurídica por decisão judicial, qual garantia tem o investidor de que a próxima norma também não será?

A reação imediata do setor produtivo

Nas horas seguintes à decisão, a tensão no setor era palpável. O temor generalizado é de que a anulação retroativa da LUOS desencadeie uma onda de "quebradeira" — afetando construtoras, fornecedores e toda a cadeia produtiva — além de desemprego em massa nos canteiros de obras.

O Sinduscon-JP mobilizou-se imediatamente. A diretoria da entidade, liderada pelo presidente Ozaes Mangueira, convocou reuniões com advogados e iniciou articulações com a Prefeitura e a Câmara Municipal — as partes legitimadas a recorrer da decisão — para buscar efeito suspensivo ou modulação dos impactos.

A Prefeitura de João Pessoa já sinalizou que pretende recorrer. A expectativa é que a batalha judicial seja levada às instâncias superiores (STF e STJ), onde, segundo analistas do setor, há maior chance de uma avaliação técnica e imparcial, longe das pressões políticas locais.

Enquanto isso, emergem discussões sobre soluções legislativas provisórias. Uma das ideias cogitadas no setor é a possibilidade de um novo decreto municipal que reproduza as regras da LUOS, exceto o polêmico artigo 62 (que tratava do gabarito na orla). A ideia seria manter o ordenamento urbano básico enquanto se aguarda uma definição judicial definitiva.

O que está em jogo para João Pessoa

Vista aérea da orla de João Pessoa
Orla de João Pessoa: região central do debate sobre a Lei do Gabarito e a LUOS

A construção civil não é apenas mais um setor econômico. É a espinha dorsal do desenvolvimento urbano. São as construtoras que transformam planos urbanísticos em moradias, comércios, hotéis, escritórios. São elas que empregam pedreiros, eletricistas, encanadores. São elas que movimentam lojas de material de construção, escritórios de arquitetura e engenharia.

Em João Pessoa, onde o mercado imobiliário viveu anos de forte valorização — a cidade figurou entre as capitais com maior alta de preços do país em 2024 e 2025 —, paralisar a construção civil significa:

  • Desemprego em massa: dezenas de milhares de trabalhadores diretos e indiretos afetados
  • Quebra de empresas: construtoras, fornecedores e prestadores de serviço em risco
  • Fuga de investimentos: capital que iria para João Pessoa migrará para mercados mais seguros juridicamente
  • Prejuízo à arrecadação: menos obras significam menos IPTU, ISS e ITBI para os cofres municipais
  • Travamento do desenvolvimento urbano: projetos de hotelaria, inclusive no Polo Turístico, ficam comprometidos

A ironia é que, ao buscar "proteger" a orla, a decisão pode ter condenado João Pessoa a anos de conflito jurídico, estagnação econômica e perda de competitividade frente a outras capitais do Nordeste.

Conclusão: proteção ambiental não pode significar destruição econômica

Defender a orla é importante. Preservar o meio ambiente é fundamental. Mas fazer isso à custa de quebrar a segurança jurídica, de anular retroativamente uma lei vigente e de paralisar o setor que mais gera empregos e renda na cidade é um tiro no pé da própria João Pessoa.

A construção civil não é vilã. Ela emprega, transforma, desenvolve. Sem ela, não há hotéis para receber turistas, não há prédios para abrigar famílias, não há empregos para sustentar trabalhadores. Os construtores de João Pessoa atuaram sob uma lei aprovada democraticamente — e agora veem seus investimentos, projetos e licenças tratados como papel velho por uma decisão que muitos consideram mais política do que técnica.

Os próximos passos definirão o futuro da capital paraibana. A Prefeitura precisa recorrer. O setor precisa se mobilizar. E a sociedade precisa entender que, por trás das manchetes simplificadoras, há milhares de famílias que dependem da construção civil para viver.

Uma reflexão final: quem, de fato, sustenta a economia de João Pessoa? Quem gera os empregos que pagam as contas das famílias? Quem movimenta a cadeia de fornecedores, arquitetos, engenheiros, corretores? Quem constrói os hotéis que recebem os turistas que vêm admirar a orla que tanto se quer proteger?

Proteger o meio ambiente e garantir desenvolvimento econômico não são objetivos excludentes. Mas exigem diálogo técnico, equilíbrio e respeito a quem investe e gera emprego. A decisão do TJPB, por ora, parece ter escolhido apenas um lado dessa balança.


Esta análise integra a linha editorial do Obra Track sobre o impacto das decisões urbanísticas no desenvolvimento da construção civil. As opiniões expressas refletem a perspectiva do setor produtivo da construção civil.

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Inteligência de mercado e análises sobre o impacto de decisões urbanísticas e regulatórias no setor da construção civil.

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